A criatividade não é mística. Assim decifra a série da Netflix “Explicando a Mente” no episódio sobre a criatividade. A narrativa exemplifica que o homem é capaz de transformar osso de mamute em escultura ou juntar divindades meio humana meio animal nos primórdios históricos até conceber as grandes obras da humanidade nos mais variados campos ao longo do tempo.
A série se baseia em uma ideia na qual acredito e já compartilhei em algumas edições por aqui, somos todos criativos. Seja inventando uma maneira diferente de descascar uma fruta, seja projetando um novo aeromodelo. Embora, nossa tendência seja colocar no pedestal os grandes criadores esquecendo de que a criatividade é algo disponível a todo ser humano, como um músculo que pode ser treinado e desenvolvido.
Como a criatividade funciona?
Em 1920, os surrealistas trouxeram uma maneira de fazer isso, o jogo do cadáver esquisito (cadavre exquis) onde em um grupo, uma pessoa recebe uma folha em branco e começa o desenho com algo que vir a cabeça, dobra esta parte e o passa a adiante para cada pessoa faça o mesmo e, no final, o papel era desdobrado e a obra incongruente apresentada. Esse jogo revela muito de como a criatividade funciona.
David Byrne em depoimento para esta série explica como foi o processo de construção de um álbum dos Talking Heads em 1979 junto com Brian Eno, produtor de discos extremamente criativo. Byrne queria fugir do modelo pasteurizado de criar rock e embarcou no processo com Eno, que propôs alguns truques, entre eles uma lista de estratégias indiretas: cards com referências aleatórias para trazer estímulo de pensamento. Outra base foi criar algo de uma maneira diferente, recortando e reconstruindo músicas, reescrevendo versos ao contrário e fora de ordem, repaginando canções em outro estilo e misturando tudo isso, ao modelo do cadáver esquisito.
Outra canção, teve como proposta incorporar um poema sem sentido. No caso, "Gadji beri bimba" do poeta Hugo Ball, um dos grandes nomes do Dadaísmo. O movimento dadaísta tinha a intenção de mostrar o absurdo da primeira guerra mundial que acontecia e sua falta de sentido através de obras a princípio non-sense. Uma das técnicas desta corrente artística é a colagem e a canção em questão “I Zimbra” a representa bem, pois além do poema de Ball, a canção reúne notas e ritmo de música pop africana. Inspirações de continentes e épocas distintas em um produto artístico que foi muito elogiado.
Como vencer o perfeccionismo?
Para alguém autocrítico e perfeccionista, o exercício de reunir coisas diferentes para “ver no que vai dar” é um desafio e tanto. Para ajudar a superar este bloqueio, é bom lembrar que as grandes obras passaram por rascunhos, estudos fracassados até chegarem à sua versão vencedora. Como é o caso do quadro Guernica de Pablo Picasso que passou por vários esboços que são apresentados no episódio. A jornada criativa é quase sempre composta por tropeços e testes para compor a melhor ideia.
Como manter a criatividade em dia?
A curiosidade é a chama para vencer o lado convencional do cérebro e manter a conversa entre seus hemisférios, que são co-responsáveis pela criação e inovação. Esse ping pong entre as sinapses dos lados esquerdo e direito é o que garante as grandes descobertas criativas.
A coleção de experiências do seu dia a dia, os problemas, o que você consome de leitura, música, sentimentos e a troca entre pessoas de outras culturas são vivências que criam repertório e matéria-prima para as colagens de criação diante de um desafio inventivo.
Um guia rápido que a série oferece quando a criatividade estiver adormecida é: vá caminhar e mude o foco; tome um drink para desopilar; tire um papel de um pote da sua coleção de ideias e veja como se desdobra; receba e recicle os comentários de quem interage com você. Em resumo, nutra a semente da imaginação.
Aproveite o domingo e ative sua curiosidade sem julgamentos.
Tenha uma ótima semana criativa.
Adriana Simão
Que delícia caminhar pelos meandros da criatividade, não é Adriana? Ficoencantada com as diversas possibilidades, Adorei seu texto. Obrigada.